Folheava com admirável assombro um livro de gravuras sobre o inferno. Mundaréu agonizando castigos indescritíveis. Vítimas de chicotes, fogueiras e arreios. Mulas de pedra e dor. Um mar de cotovelos e joelhos estalando no precipício. Os pais me emprestaram as pinturas para ficar com medo de pecar e só aumentaram a minha curiosidade. Não levei a sério. Se fosse verdade, o masoquista faria reserva do caldeirão. Discordo que o inferno seja a privação do que gostamos. A renúncia do que não valorizamos. O inferno é o que a gente ama, mas em excesso. Lembro da torta de nozes. Era apaixonado, comia uma fatia por noite durante anos. Botava guardanapo na gola para naufragar a barba no creme. Hoje não suporto o cheiro. Tortura seria me colocar dentro de uma vitrine repleta do doce. O mesmo ocorreu com a panelinha de coco, o alfajor, o chocolate em barra.
Alegria em demasia é tristeza. Quem repete três vezes seu prato predileto tem rosto de velório. O paraíso é o bocado, o gole gostoso, o pouco intenso. Deixar o que se deseja para depois e nunca deixar o desejo. As mulheres reivindicam homens românticos. Pedem escandalosamente um perfil gentil, amável, cordial, obediente, misto de agenda (capaz de lembrar todos os aniversários e datas comemorativas) e diário (que escreva poemas e preencha cartões floreados). Na hora em que encontram o sujeito sonhado, querem distância. Consideram a figura grudenta, gosmenta, tediosa. Resmungam que é muito submisso (se você vem sendo chamado de fofo pela namorada está a um passo do despejo)
Os homens procuram mulheres com irrefreável apetite sexual. Para ter sexo a cada turno. Sem enxaqueca, trabalho e preocupações familiares. Caso pudessem, adotariam arquitetura de motel no quarto com retrovisores na cama. Pois quando se deparam com uma ninfomaníaca viram monges. Usam pijamas listrados. Decidem discutir a preliminar. Forram a cabeceira com dicionários. Revelam traumas de infância. Torna-se insuportável trepar a cada quinze minutos e não terminar um pensamento inteiro. Não é mais questão de virilidade, é de sanidade. A transa depende da lembrança para renovar a imaginação. Qualquer cinéfilo que assista a 12 horas de filmes fugirá da tela em branco. Qualquer médico que fique 36 horas de plantão desistirá de suas mãos. O exagero do bem enjoa. O exagero do prazer é o inferno.
***Fabrício Carpinejar, é poeta, cronista, professor, jornalista e amigo meu. Para conhecê-lo melhor, acesse http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/
***Fabrício Carpinejar, é poeta, cronista, professor, jornalista e amigo meu. Para conhecê-lo melhor, acesse http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/
2 comentários:
Lisa,
Me fez pensar muito esse post.
Espero que não se importe mas lá venho eu com uma explicação científica. A neurocientista Suzana Houzel, aquela da Folha de SP e Fantástico explicou porque enjoamos de certas coisas. Se puder é melhor procurar o artigo, mas dizia mais ou menos assim: tudo o que é excessivo pode ser prejudicial para a saúde. Chocolate, trabalho, etc...
Por isso o cérebro dá um jeito da pessoa parar, etc, etc...
Não me lembro bem.
beijos,
elisa
Engraçado. O papai dizia que tudo que é excesso está errado. Trabalho demais, tristeza demais, alegria demais. E ia explicando. e no fim dizia que o ideal é sermos equilibradas.
Com carinho Monica
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