sexta-feira, 10 de julho de 2009

Michael Jackson não era tão estranho assim / Stella Florence

Eu vi aquele menino sentado num banco de pedra, me esperando, sob a chuva fina, vestindo jeans e camiseta, e não o uniforme da escola. Foi então que eu tive certeza: estava apaixonada no grau do irremediável e pela primeira vez na vida.

Literatura ficcional no Brasil não é a coisa mais rentável do mundo, mas escritores se viram. Uma das coisas que fazemos é reescrever o livro dos outros com dedos de fantasma, cujo corpo não se vê, mas a presença arrepia. Foi assim que dois dias depois da morte de Michael Jackson eu estava escrevendo um livro sobre ele. A mim parece bastante claro que o astro perdeu a conexão com a realidade lentamente – com a realidade dele, o que é mais grave. Michael criou uma liturgia própria para a história de sua vida e nada, nem mesmo seu rosto no espelho, poderia demovê-lo de suas crenças. Me lembro de quando eu era adolescente: eu dizia que meu pai estava vivo quando ele não estava mais, eu inventava um namorado que não existia, contava que havia apanhado de seguranças, quando o band-aid na minha testa escondia apenas uma espinha. Aquelas mentiras me pareciam tão necessárias na época que eu não me envergonhava de repeti-las à exaustão: eu acreditava nelas. Michael não era tão estranho assim, afinal.
Claro, temos a pedofilia. Dr. Stan Katz, o médico especialista em saúde mental encarregado de fazer um parecer sobre o astro no caso de abuso sexual contra Gavin Arvizo, concluiu o seguinte: “Michael Jackson é um rapaz com mente de uma criança de 10 anos de idade. E ele age como faria um garoto de 10 anos com seus amigos. (...) Se você percebe que isso acontece com crianças nessa idade, não pode qualificá-lo como um pedófilo. Ele realmente vive como se tivesse 10 anos". Sim, garotos fazem troca-troca, batem uma juntos, vai saber o que rolou, mas eu apostaria que não houve curras violentas. Me lembro de quando eu tinha 19 anos...
Eu vi aquele menino sentado num banco de pedra, me esperando, sob a chuva fina, vestindo jeans e camiseta, e não o uniforme da escola. Foi então que eu tive certeza: estava apaixonada no grau do irremediável e pela primeira vez na vida. Naquela tarde, ele sentou no meu colo e me beijou a boca. Eu não imaginava que pudesse experimentar tantas sensações ao mesmo tempo: medo, desejo, prazer, culpa, amor e, sobretudo, um intenso flutuar de alma. Namoramos escondido algumas semanas e, nesse período, nunca fomos além de beijos e alguns chupões no pescoço. Embora por fora fôssemos muito diferentes, por dentro minha sexualidade tinha a mesma idade dele: 13 anos. Michael não era tão estranho assim.
Outro ponto conhecido (e fatal): o astro se viciou em todo tipo de porcaria para suportar sabe-se lá quais dores. E eu, para concluir seu livro a tempo (o prazo era insano: uma semana), tomei umas bolas para ficar acordada (com receita médica, como ele). Quando entreguei o arquivo pronto e finalmente pude dormir uma noite inteira, quem disse que eu conseguia? Meu corpo se desfazendo de cansaço e o sono...nada. Entrou em cena um calmante, dois, no terceiro, apaguei. Agora os dias estão lerdos, lesos, loucos, enquanto deixo a química ir embora de mim. Eu posso deixar que ela vá embora. E se não pudesse? E se milhões de dólares e milhares de empregos dependessem de eu levantar hoje e fazer um show? E se eu precisasse dormir depois desse show para fazer outro no dia seguinte? O que eu faria? Tomaria algo para acordar e depois algo para dormir e depois algo para... Michael não era tão estranho assim. Apenas exagerou na dose em tudo, inclusive no talento.

2 comentários:

Adailton de Lucena disse...

Que texto maravilhoso!! Nunca acreditei nas acusacoes e hoje com tantos videos reveladores,acredito ainda mais na sua inocencia. Parabens pelo texto.

Mônica disse...

Eu gostaria de acreditar! Mas uma coisa é certa. quiem fez aquela musica para a Afrca não pode ser ruim.
Com carinho Monica