Chegam às livrarias duas coletâneas que reúnem correspondências apaixonadas de diferentes épocas e confrontam o que há de singular na arte de amar por escrito.
Uma carta de amor interessa, em princípio, apenas a seu destinatário. Mas isso depende de quem – e com que inspiração – escreve. O que Franz Kafka teve a dizer à jovem Felice, que ele havia visto uma única vez, em um jantar, em 1912, e a quem prometera uma viagem à Palestina? E o que ela lhe diria hoje, na era do pós-feminismo, do fim das utopias, quando o romantismo parece coisa do passado?Chega aos leitores brasileiros uma correspondência amorosa que contrapõe o amor vivido de ontem e o amor imaginado hoje. De olho no dia dos namorados, Para Sempre e Carta para Você foram lançados simultaneamente e podem ser lidos como volumes complementares. O primeiro tem óbvia inspiração no livro que Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) lê em Sex and The City para Mr.Big no Filme : uma coletânea de cartas de amor de escritores e artistas célebres. Pois o livro freneticamente procurado por mulheres mundo afora era fictício. Depois da editora britânica Pan MacMillan, agora é a vez da Editora Globo pôr a ideia em prática: o selo carioca reuniu 50 missivistas, do orador romano Cícero ao poeta português Fernando Pessoa, passando por Beethoven, Kafka, Machado de Assis e Rui Barbosa, entre outros. Carta Para Você (Editora Alfaguara) são declarações de amor em tempos modernos, e embarca na mesma onda, com propósito distinto: um time eclético composto de nomes como Leonard Cohen, Neil Gaiman, Adriana Lisboa e Martha Medeiros foi convidado a ficcionalizar declarações apaixonadas em tempos modernos. E o contraste e as aproximações entre essas duas obras revelam muito do que há de imutável ou singular na arte de amar – ou de inventar o amor.
Mas, seja real ou inventada, a carta de amor traz a visão e unilateral do apaixonado. Os missivistas juram ser os que mais amam, sofrem e sentem saudade, além de correspondentes mais dedicados do que seu grande amor. Na carta endereçada à noiva, em 1885, Eça de Queirós queixa-se (“Exijo que se castigue a si mesma: feche-se no quarto escuro, prive-se da sobremesa (...) e imponha-se outras penitências (...) por ter deixado sem uma linha, sem um simples cá recebi, quem nada fez para merecer tal desleixo”) com a mesma indignação com que a internauta Alisha, personagem inventada no século 21 pelo escritor Lionel Shriver, autor de Precisamos Falar sobre o Kevin, cobra o amante de apenas uma noite (“Já se passaram duas semanas! E não venha me dizer que também não recebeu meu último e-mail, porque o enviei pelo menos uma dúzia de vezes, e do computador da minha vizinha para garantir”).
Realidade e ficção também se superpõem para falar da finitude do amor. Seja na ficção sobre amores que não se realizaram, como a de Francine Prose ao inventar uma última carta de Felice a Franz Kafka, depois da morte dele, em que ela explica por que vendeu as missivas de amor que recebeu do escritor (“Aquelas cartas nunca foram para mim. Eram mensagens para você mesmo, suas para você e para o mundo”). Seja naquilo que as cartas reais não dizem: o rei Henrique VIII, da Inglaterra, mandou matar Ana Bolena, a mulher a quem enviava textos assinados como “o homem que sempre será seu”, o poeta e escritor francês Victor Hugo, capaz de declarações à esposa como “Tu és para mim todo teu sexo, já que tu me ofereces o conjunto de tudo o que nele há de perfeito”, teve muitas amadas além dela. Ou ainda no que é dito com todas as letras: “O amor passou”, escreveu Fernando Pessoa à namorada Ofélia.
Mas também foi Pessoa o autor dos versos que, a despeito da fugacidade e dos excessos típicos de uma declaração de amor, justificam por que vale amar por escrito: “Todas as cartas de amor são ridículas”, diz, antes de acrescentar que, ridículas mesmo “só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor”. (ZH Domingo, 7/6/2009)
2 comentários:
Lisa
Até pouco tempo mamae tinha todas as cartas do papai e papai guardou também todas as cartas de mamae.
Mas entrou na caixinha mofo e desmanchou as que mamae tinha do papai. Sobraram poucas.
Fiz uma pasta.
E le-las não é nada pessoal.
E como se fosse para um amigo ou para algum irmão.
Mas mamae já tinha experiencia. Quando estava no Colégio escrevia carta para o namorado de uma colega como se fosse ela. Mamae está falando que ela faleceu e ele está vivo até hoje e não sabe disto. Por isto não convem citar nome pois o mundo é redondo e as vezes alguem pode ler.
Com carinho Monica
Estou rindo da mamãe... Veja, escrever cartas de amor para a amiga... Ela é demais, sempre querendo ajudar, até mesmo quando era jovem.
Vou tentar ler esse livro. Achei interessante.
Eu escrevi poucas cartas de amor... Não sou romantica, mas lembro de uma cartas que escrevi para o meu primeiro namorado, que era até meu primo. Na época comprei até um bloco especial de folha fininha. Eu tinha as cartas que recebi dele e num ato de loucura joguei fora. Sabe que tinha vontade de relê-las, nem que fosse para rir de mim mesma.
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