O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi "A Felicidade Conjugal" de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a discussão boba sobre diferenças entre literatura feminina e masculina, consegue revelar de forma brilhante (e ao mesmo tempo perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos. Conclusão dele: homens se sacrificam, mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial de generosidade.Parece, mas não é uma notícia tão alentadora. É literariamente bonito, daria uma boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique seus desejos em detrimento dos meus, e vice-versa. O que Tolstoi define elegantemente como uma “batalha entre duas generosidades”, nós os chamamos de “concessões”. Essa palavra mais sugere uma batalha jurídica do que de generosidade, mas é tudo a mesma coisa.
Óbvio que temos que conceder. O tempo inteiro, desde que nascemos. A começar pelo âmbito familiar, ainda que nesse ringue as regras sejam criadas coletivamente. Já quando casamos com o senhor fulano de tal, ou com a dona sicrana da silva, que vieram sabe-se lá de onde e amparados por quais fundamentos, a concessão vira o calcanhar de Aquiles do contrato. Ele adora dançar, você odeia música alta. Ela adora natureza, você não suporta passarinho. Mas se amam, olha que situação. Quem cede quanto?
A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho ou se tiver que passar um final de semana no sítio, isso é cláusula previamente acertada e nem comporta a rigidez da palavra “sacrifício”.
Mas e se você tiver que enfrentar uns “nunca mais” pela frente? E se os seus sonhos de juventude tiverem que ser enterrados? E se o seu trabalho ficar comprometido? E se sua vida virar um palco e você tiver que assumir um personagem 24 horas por dia? E se sentir saudades de alguém que você já não é mais? Não pense que isso é dramatismo. É mais comum do que se imagina. Tem pessoas que renunciam a si mesmas e só percebem isso quando não há mais retorno possível.
Generosidade mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você nem um naquinho assim. Mas esse romance ainda está para ser escrito. (Martha Medeiros - Z.H. Dia 16-ago-2009)
3 comentários:
Lisa,
É isso mesmo!Nunca vi duas pessoas tão diferentes em alguns aspectos como eu e o Vabenne, mas apercebemo-nos que acima de tudo, tinha que haver liberdade, cada um aceitar o outro como é e haver doação. Não saimos mal pois estamos juntos à 34 anos. E como é bom ver no nosso(a) companheiro(a) o melhor amigo(a)!
Um beijinho
Tolstoi não faz parte do meu ideal de leituras, confesso, mas o seu post aborda uma questão muito pertinente, sem dúvida...
Gostei deste texto. Generosidade é muito mais do que simplesmente fazer uma boa ação. E fazer pequenos sacrificios também. Será que entendi?
Ontem fomos em SA porque faleceu uma prima de 86 anos. E a gente chamava de tia. Agora a casa da lagoa será chamada como?Os donos já se foram.
E verdade. Tomar banho de cachoeira é sempre inesquecivel. Mas não faço isto porque passar debaixo dela só quando era bem pequena e minha tia Ilda me passava, porque tinha medo de afogar.
Hoje vou na cachoeira só para ver a beleza das suas cascata. Mas arriscar a entrar, nunca mais. Suas pedras já estão escorregadias.
Com carinho Monica
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