quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Refletindo com Lia Luft

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.


Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.

Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.

Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"

O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação. Sem ter programado, a gente pára pra pensar.

Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.

Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.

Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.

Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.

Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.

Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.

Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.

Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.

Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.

Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.

Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.

Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.

E que o mínimo que a gente faça seja - a cada momento - o melhor que afinal se conseguiu fazer.

(Por Lya Luft)

7 comentários:

Mônica disse...

Lisa
Não precisa mais nada só iss o Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança
com carinho MOnica

Janaína ferraz disse...

Gostei mesmo daqui..
Do blog , dos textos, desse da Lya Luft que eu sempre gostei também!
Vou ficar por aqui, tubem bem né ? É que estou seguindo :)

Também tenho um cantinho que gostaria que visitasse: www.misturadinamica.blogspot.com
Será muito bem vinda (:

Volto mais vezes.

Sotnas disse...

Olá Lisa, desejo que tudo esteja bem contigo!
Belo texto postado aqui, Lya tem sempre grandes reflexões!
Acredito que ao fazer o mínino dando o melhor, ou fazendo da melhor maneira, já deixa de ser o mínimo, quando feito com amor é mais!
Gosto de vir as suas inquietações, pois sempre tem belíssimos textos. Desejo pra você e todos ao redor tudo de iluminado sempre, agradeço pelas visitas, grande abraço e até mais!

Gislene disse...

Olá, Lisa!

Desejo à você, um lindo Natal!
E que este Ano Novo que se inicia, lhe traga muita paz, alegria e novas esperanças!

Muitos beijos,
Com carinho,

Gislene.

Sotnas disse...

Olá Lisa, desejo que tudo esteja bem contigo!
Passei pra desejar tudo de iluminado pra você e todos ao redor sempre, também deixar um recado. O sotblog completou um ano de existência. E você também faz parte desta comemoração, por pertencer ao grupo de visitantes amigos ao longo deste ano de sobrevivência, um amigo criou um selo e você está convidada a retirar o seu, claro se assim o desejar, e saiba que me fará deveras feliz se levar seu comprovante por ter contribuído por este ano de existência! Agradeço pela amizade e carinho ao longo deste ano que se finda e desejo contar contigo e sua amizade no que se desponta no horizonte! Grande abraço e até mais!

Gislene disse...

Lisa,

Quando chega a noite, repousamos nossa cabeça e fazemos um balanço do que foi nosso dia. No fim do mês fazemos balanço das nossas contas...e quando o ano se finda, costumamos refletir sobre o que foi nosso ano.

Fechamos pra balanço.

Começamos a puxar pela memória para trazer à tona tudo o que nos aconteceu nesse último ano.

Talvez tenhamos passado por momentos difíceis, dolorosos mesmo onde, muitas vezes chegamos a nos perguntar sobre o sentido de nossa vida. Mas o passar dos dias acabou amenizando esse sentimento. Porque o tempo, se passa rápido ou lentamente, ameniza todas as coisas. E é curioso como, mesmo revivendo na memória, as coisas já não fazem mal como antes... naquele momento de dor, tínhamos a certeza absoluta que isso jamais passaria.

Sofremos perdas irreparáveis, dessas que não é possivel voltar atrás, por mais que tentemos. Mas ganhamos em experiência.

E, entrelaçados a esses momentos de tristezas, houveram as alegrias. Desses momentos em que desejamos que o relógio do tempo pare. Uma onda de emoção nos invade ainda, um sorriso aflora e temos a impressão que nosso rosto se ilumina... é importante trazer esses momentos sempre vivos para que nos ajudem quando a maré estiver baixa.

E nesse mar da vida, onde nadamos e fomos levados, chegamos, finalmente, ao porto do próximo ano. Sobrevivemos e, malas prontas e cheias de experiências, nos preparamos para uma nova embarcação. Talvez nova direção.

Mas, olhando o que passou, nessa contabilidade de momentos vividos, pesando os prós e os contras, chegamos à conclusão que o saldo final é positivo. Todos os que chegamos até aqui temos saldo final positivo, mesmo se durante o ano as coisas negativas tentaram nos afetar. Se não fosse assim, não teríamos chegado até aqui.

E vamos começar o novo ano com um grande presente desse Deus Pai que esteve conosco durante todo esse ano: uma nova oportunidade!

Temos nas mãos a chance de recomeçar, reconstruir. Nem todos tiveram, mas a nós está sendo dada essa ocasião. Somos privilegiados. E nesse novo ano, mesmo se não podemos ser pessoas novas, podemos nos sentir pessoas renovadas, fortes o bastante para sobreviver às provações, fortes o bastante para conquistar novas vitórias.

Letícia Thompson.


...Um lindo 2011 à você!...

Gislene.

andre disse...

Olá pessoal.
Meu nome é André Noronha.
Minha "inquietação" nos dias de hoje é a vontade de escrever livros.
Apesar de já estar com meus 56 anos de vida, mas minha experiencia de vida ao redor de mim acredita que posso rabiscar alguma coisa de bom para alguem ler.
Apesar de ser uma pessoa religiosa, gostaria de escrever algo generalizado, de alcançe a todos.
Gostaria de criticas sobre isso.
Abraços.
André